“Eu tenho uma posição, não sei se política ou de vida, mas acredito que tudo no coletivo é mais fácil”. Foi com esse pensamento que Rafaela Rocha, de 25 anos, criou o Multiplicando Doulas (MD), um curso de formação para todos aqueles que acreditam nos benefícios do parto humanizado.
Doula, do grego “mulher que serve”, é definida como a profissional que oferece suporte físico e emocional a mulheres antes, durante e após o parto. “A doula é quem pergunta o que a parturiente quer. Não é um papel de autoridade, mas sim de humildade. É necessário entender o que a mulher precisa. Zero regras, acolhendo com total empatia e sororidade”, conta Rafaela, que, entre muitas formações, é terapeuta. A iniciativa, hoje, já formou cerca de 54 mulheres desde setembro de 2016.
A ideia surgiu no México, depois de aprender sobre a medicina tradicional local e certificar-se como parteira. “Durante o tempo que estudei lá, nós tínhamos que apresentar um projeto a professora, para colocarmos em prática o que tínhamos aprendido. Falei, então, que gostaria de fazer um curso de formação de doulas no qual as pessoas pagassem o quanto pudessem pelas aulas”. É assim até hoje. Não existe uma mensalidade fixa para participar do MD, mas sim uma troca de favores. Cada aluna ajuda com o que pode. Colaboração em dinheiro, divulgação e doação de materiais são essenciais para que as turmas continuem se formando. “Eu estava voltando para o Brasil e, de dentro do avião, perguntei no Facebook –hoje uma das principais formas de divulgação-, se havia, entre os meus conhecidos, o interesse em fazer um curso de doulas colaborativo, utilizando o pague quanto puder. O retorno foi extremamente positivo. Então eu pensei: é agora ou nunca”, conta Rafaela.
A idealizadora revela, também, que seu objetivo com o Multiplicando não é ganhar direito, e sim tornar o acesso ao conhecimento e informação mais fácil. “Os cursos custam de R$900 à R$2500 por módulo. Não é todo mundo que tem condições de pagar. Eu quero que as minhas alunas tenham uma fonte de renda atuando com partos. Precisamos entender a realidade de cada uma. É possível facilitar as coisas”, pontua. O MD também oferece bolsas de estudo.
Hoje, cerca de 21 profissionais atuam dando aulas e cuidando da administração do projeto. São três obstetras, uma historiadora e dois ativistas transexuais que dão aula sobre questão de gênero. Além disso, fazem parte do corpo docente: psicólogas e a própria Rafaela. Os outros profissionais estão divididos nas áreas de finanças e captação de recursos. “Eu não ministro todas as aulas. Acho que as coisas não devem ser misturadas. As vezes as pessoas acham que a doula vai ser a terapeuta e psicóloga, mas não. Então cada um nos seus papéis”.
Outra boa notícia: as mães podem levar seus filhos para as aulas. Apesar da grade curricular, a dinâmica varia. “Tem criança, né, e isso impacta. E outra, imagina se você está ensinando sobre um assunto específico e alguém começa a chorar… automaticamente a aula vai para o lado terapêutico. Tem que ter esse tato”, explica Rafaela. A mesma acredita, também, que a educação infantil é o caminho para a mudança em alguns hábitos enraizados na sociedade. “Existe muito mito por trás do parto normal, e boa parte é preconceito. Eu trabalho com adultos e com crianças. Elas, você tem que ajudar a construir. O adulto, primeiro você descontrói pra depois começar tudo outra vez. É muito mais difícil”.
Apesar do parto humanizado ter se tornado mais popular, a medicina como um todo ainda precisa evoluir. Rafaela conta que o discurso da humanização virou uma estratégia de marketing. “Falta amor e filosofia pra medicina se tornar mais humanizada. Estágio obrigatório em hospitais públicos e lugares mais carentes também. Conhecer outras realidades. Reconhecimento de privilégios é o principal”, afirma. Destacou, também, o alto índice de violência obstétrica que ainda existe no Brasil. “Se você não escuta sua paciente, é violência obstétrica. Uma coisa é ver, por exemplo, que o bebê está preso e que naquela posição ele não vai se mexer. Aí você tem o direito de intervir, desde que a parturiente esteja ciente. Outra, é determinar que a posição x ou y é melhor”.
Em 2016, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad sancionou projeto de lei 380/2017, que permite a entrada de doulas no SUS.
Estão confirmadas mais três turmas do Multiplicando Doulas para esse ano. São elas: Guarulhos, com início em 11/02, Santo André e Rio Claro, no interior de São Paulo. Para os interessados em colaborar com as demais formações, basta acessar o financiamento coletivo, disponibilizado no site Vakinha pelo link https://goo.gl/n4L9ic
Para mais informações, acesse: https://goo.gl/3VjedX
Texto Gabriela Lira Bertolo
Data original de publicação 10/02/2017